o livro




UMA HISTÓRIA À MARGEM (fragmento)

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CARO BARATO



O contato com Charles, Guilherme, Virgínia continuou ano adentro. Numa dessas viagens a Teresópolis com Charles, estávamos à noite papeando e resolvemos apagar a luz e acender uma vela perto da vitrola. Um de nós jogou uma bolinha de papel pro alto e ela caiu em cima do disco. A luz da vela projetou a sombra da bolinha na parede que ficou como que estivesse rodando. Ficamos abismados com aquilo. Era o cinema primitivo, feito de luz e sombra em movimento. Dia seguinte convidamos os amigos para ver aquela sessão de cinema. Esse trabalho em progresso, desenvolvo até hoje, sempre com uma mudança ou outra. Coloquei o “Bolero de Ravel”, tirei a vela e coloquei uma lanterna, em vez da bolinha, a sugestão de uma bailarina com papel celofane de envólucro de maço de cigarro. Comecei a chamar a instalação de “Caro Barato”. Isso é, fazer fé naquilo que a vida valvulada deposita à sua porta, de onda. Lá em Teresópolis me lembro também de pegar latas, ferro velho e pintar. Lembro de um ovo que pintei numa chapa carcomida.


Charles era ótimo fotógrafo. Vibrava com a magia dos laboratórios, vendo a imagem aparecer entre uma e outra lavagem com ácidos próprios. Lembro muito da casa de Zeca Guimarães em Botafogo. Passávamos os dias lá, entre ácidos, fotos, vinhos e rock and roll.


ÓPERA DE PÁSSAROS
                                                    p/ lili e neto


a objetividade da fotografia é uma falácia
erram os que acham que ela retrata o real.
o que há é que quando o fotógrafo diz
olha o passarinho! uma ave de asas oblongas
sai de dentro do olho da câmera
com uma paleta de cores
e um embornal de pinceizinhos.
sobrevoa a cabeça do fotógrafo
sobrevoa a cabeça do fotógrafo
e pousa sobre seu ombro esquerdo.
de lá, pinta a cena.
em suma,
a fotografia é uma ópera de pássaros.


(a vida é curta pra ser pequena / 2002)




MUITO PRAZER


Guilherme experimentava em Super 8, uma espécie de vídeo da época. Barato e leve perto das tranqueiras de 16 milímetros. Cada rolinho de filme de 3 minutos demorava uma semana para ser revelado. Edição não existia. Era filmar e ver o rolinho inteiro. Guilherme gravou muito na viagem ao São Francisco. No meio do ano, se mudou para um apê na rua Bento Manoel, no fim da rua Farani, em Botafogo e me convidou pra morar com ele.


NA PORTA LÁ DE CASA


na porta lá de casa
tem dizendo lar romi lar
uma bandeira de papel
na porta lá de casa
as crianças passam
e se atiram no chão
e se olham por dentro
das bocas das palavras
na falta de qualquer espelho
na porta lá de casa
passa o amor o calor
de cada um que passa
na porta lá de casa


( muito prazer / 71)


Eu escrevia a rodo na época. Cada viagem, um caderninho no bolso. E fui preenchendo cadernos de desenho com caneta pilot colorida. Fiz três. Mostrava para os amigos que visitavam a caxanga. Eles incentivavam a publicar. Mostrei para Waly Salomão, meu primeiro leitor do ramo, umas experiências com escrita em surto. Ele deu valor. Guilherme perguntou se eu não queria publicar aqueles poemas em mimeógrafo. Ele dava aula de história num curso pré vestibular no centro da cidade chamado Status. Charles fez o dele, Travessa Bertalha, 11, com a ajuda do Guilherme na escolha e organização dos textos. Eu, com a ajuda de Sérgio Liuzzi, nos desenhos e elaboração visual do livreto, fiz o meu. Charles publicou uma semana antes, em formato de apostila, ou seja, utilizou toda a folha ofício, sem ilustração. Eu usei meia folha, com desenhos e um ou outro poema manuscrito que ficaram quase ilegíveis. Não era fácil desenhar ou escrever sobre o estêncil com um estilete para depois fixá-lo ao mimeógrafo e rodar. Com isso, o Muito Prazer, ficou um pouco mais leve. Fizemos 100 cópias mimeografadas cada um. Era um negócio bem tosco, feito literalmente à mão. Lembro do dia que acabei de grampear os meus e os levei à Escola de Comunicação para mostrar para os colegas de classe. Eles gostaram e perguntaram quanto era. De repente na minha distração, percebi que tinha que colocar um preço naquilo. Minha poesia virava mercadoria. E eu precisava vender aquilo para ajudar no aluguel. Era setembro ou outubro de 1971 e o verão se aproximava.


RIO 71


O Rio de Janeiro pulsava criação nesse período. Era a edição de alguns jornais e revistas alternativas como a Presença, Bondinho, Flor do Mal. Nesse último, criado por Luis Carlos Maciel, tive dois poemas publicados por Torquato Mendonça, um dos maiores flaneurs da cidade. Os poemas eram Papo de ìndio e Ponto de Bala.


ponto de bala


os mortos tecem considerações
os tortos cozem quietos
as crianças brincam
e bordam desconsiderações


(muito prazer, ricardo / 1971)


Foi minha estréia em jornal. Outros acontecimentos importantes na época: “Hoje é dia de rock” no Teatro Ipanema, peça psicodélica, não verbal por natureza, que levou mais que espectadores, seguidores, durante os dois anos em exibição no Teatro Ipanema. Fui assistir e sai viajando. Era o auge da utopia.


Outro lance épico era a “Geléia Geral”, crônica diária de Torquato Neto, na Última Hora, porta voz do Tropicalismo, que mapeava todo o movimento underground da época na música, no cinema, na poesia. Torquato comprava as mais indigestas brigas com o ECAD, escritório de arrecadação de direitos autorais, dominado por meia dúzia de mafiosos ou com o pessoal do Cinema Novo, cooptado pela nova política de mercado do governo, época do milagre brasileiro. Torquato, radical até a medula, sabia como ninguém o que Maiakovski queria dizer. ”Só existe conteúdo revolucionário com forma revolucionária”. Suas crônicas eram o exemplo disso, misturando poemas, fragmentos, letras de música, polêmicas, colagens de textos, etc. Torquato me lembra sempre Maiakovski por sua visão panorâmica, parabólica, sua paixão por poesia, música e cinema. E sua crítica cortante. Como Wladimir, se matou cedo demais. Foi na coluna de Torquato, pelas mãos de outro mestre, Waly Salomão que escreveu um texto, tecendo loas ao “Muito Prazer” na “Geléia Geral”. Aquilo era meu salvo conduto na seara da experimentação poética.


WALY SALOMÃO


Waly foi pessoa importante na minha vida. Conheci o cara recém chegado de São Paulo, onde tinha sido preso por posse de um baseado. A prisão detonou de vez o processo do escritor e lá elaborou “Apontamentos do Pavilhão Dois”, capítulo inicial do explosivo “Me segura que eu vou dar um troço”, seu primeiro livro, publicado em 72. Waly me incentivou a escrever. Lia meus disparates e dava força. Era um azougue, fagulha viva, metralhadora na fala e no riso. Um incontinente verbal. Encontrava o cara no Pier durante o dia e à noite, muitas vezes em Ipanema, próximo ao Pizzaiolo, na Rua Vinícius de Moraes. Ele fulminava em meus ouvidos: “Ah que esse cara tem me consumido, a mim e a tudo que eu quis com seus olhinhos infantis como os olhos de um bandido” ou todo o Anjo Exterminado, música com Macalé. Waly foi um dos maiores performers que já vi. Sabia dar ritmo ao falar seus poemas. Dividia um verso como ninguém. Ele me ensinou a não precisar de palco ou papel para levitar. Aprendi o que pude.


junho de 1973. queen elizabeth hall, londres. depois de uma série de poetas engravatados, sobe ao palco um cara desgrenhado. com uma vasta barba emberlotada, macacão jeans, pé engessado, caminhando com dificuldade, amparado numa muleta, o cara senta-se à mesa e começa a delirar e gargalhar ruidosamente. depois diz, puxando uma sanfoninha do bolso: vou falar um blues. e começa a entoar um salmo, marcado pelo fole. the true blue song of man. o nome do cara: allen ginsberg. Corta


NAVILOUCA TORQUATO


Ainda em 71, Waly e Torquato começaram a construir a Navilouca, revista manifesto, canto do cisne do tropicalismo e das vanguardas. Com a arte feita por Oscar Ramos e Luciano
Figueiredo, a Navilouca contava com a nata da Poesia Concreta (Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari), o primeiro time da poesia tropicalista (Waly, Torquato, Rogério Duarte, Caetano Veloso, Duda Machado), pessoal de cinema marginal (Ivan Cardoso e Luis Otávio Pimentel), dois mestres nas artes plásticas (Lígia Clark e Hélio Oiticica) e novos nomes como (Jorge Salomão, Steve Berg e eu). Eu tinha 21 anos e o Muito Prazer lançado. E tive a chance de viver aquele momento onde as vanguardas ainda duelavam em várias frentes contra o rolo compressor da indústria cultural, apoiado por políticas do governo que apostavam suas fichas num cinema, numa música para o mercado, despotencializando o experimental. Torquato se matou por conta disso, depois de uma reunião com editores que determinou que a Navilouca não iria zarpar.




NAVILOUCA


quero encontrar você
o dia amanhecendo
num buteco
tomando média
olhos claros
translúcidos
- você, aqui ?
de repente nós dois e o resto.


a gente vai
andando andando
dando risada
falando bobagem
pisando a paisagem
viagem


de repente
numa esquina
de terno o tempo
vai passar
apertado apressado.
a gente pára o tempo.
diz a ele, calmamente,
como é a felicidade
e vai seguir seguir seguir .........


(escrita para a navilouca em 1972.
reescrita em a vida é curta pra ser pequena / 2002)


A Navilouca saiu 2 anos mais tarde com o apoio de uma multinacional do disco. Sua coluna na Última Hora, “Geléia Geral” foi até o fim reflexo dessa tensão. Força para as vanguardas, o tropicalismo, a cultura subterrânea, o Super 8 e crítica pesada às instituições e à caretice geral. Waly dirigiu o show da Gal, lançou Luiz Melodia, produziu o “Me Segura”, a Navilouca, agitou, berrou e foi para Nova York. Tanto Torquato quanto Waly viveram na carne o dilema do artista na sociedade de consumo: como viver da sua arte, como expressar sua fala se do outro lado, a indústria cultural vai criando um consumidor cada vez mais chulo, nivelando por baixo, para homogeneizar e esterelizar sua mercadoria, para um público cada vez mais chato?
Pude conviver, ainda que de raspão, com esses ases da vertigem, inventores inveterados. meus ídolos, meus mestres. Artitute forever.
Foi pela mão desses mísseis que vi estrelas. No verão de 72, Waly dirigiu o antológico show “Gal Fa-tal”. Torquato produziu o primeiro show de Luís Melodia, descoberto no Estácio por Waly, no Teatro Opinião. Waly me apresentou a Torquato num bar. Eu ficava olhando a conversa dos dois. Eu era muito enmimesmado. O bar era ao lado do Teatro Teresa Rachel, no Shopping Center da Siqueira Campos, em Copacabana. Ali era o epicentro de todo movimento contracultural com shows da Gal, de Luis Melodia, Jards Macalé, Lanny Gordon, a Fina Flor do Samba, Paulo, Cláudio e Maurício, Som Imaginário, Liverpool Sound, o guitarrista Levindo Carneiro, Novos Baianos, a peça-happening Rito do Amor Selvagem, de Zé Agripino de Paula e tantos outros visionários que minha memória já não alcança. Rio de Janeiro. Brasil. Início dos anos 70. Love and light.


NOVOS BAIANOS


No verão fatal de 72, além do Píer, do “Muito Prazer”, da “Geléia Geral”, rolava o show dos Novos Baianos no Teatro Teresa Raquel, logo depois do show da Gal. Era demolidor. Eles vinham com um mix absolutamente original: rock, chorinho, samba, bossa nova, frevo. Em muitas noites, eu pagava mico, subindo ao palco no final para dançar com a galera. Era irresistível. As letras eram jogos de palavras, coisa meio trava língua, um lirismo absurdo, como “Acabou Chorare”, “Preta Pretinha”, “A menina dança”, “Ferro na Boneca” e tantas outras. Eu era fã incondicional do grupo. Depois os conheci pessoalmente e o futebol nos aproximou. Fui algumas vezes ao sítio onde moravam em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio. Tinha um campinho de futebol na frente da casa e o som rolava o tempo todo. Admirava aquele tipo de vida. Várias pessoas morando juntas, fumando juntas, fazendo tudo juntas, no palco, em casa, na cozinha, no campo de futebol. Era o espírito do tempo. Paz, amor e curtição. A utopia sendo realizada.


PIER


O Pier era a praia. Em frente à Rua Farme de Amoedo entre a Montenegro, hoje Vinícius de Moraes e o Arpoador, construíram um emissário submarino. A areia retirada do fundo para passar a tubulação, foi depositada à beira da praia e formou dunas. Dunas que escondiam a rapaziada dos olhos repressivos que vinham do calçadão. Com a mexida do fundo de areia, o mar subiu e levantou ondas perfeitas. Os surfistas vieram do Arpoador. A erva veio junta e se juntou a dos artistas que passaram a ir ver as ondas, o surf e o por do sol. Era uma festa.
Ali levava meu “Muito Prazer” para circular. Ali podia se encontrar Gal, Waly, Zé Simão, Cazuza, Marina, Scarlet Moon, Sandro Solviati, Nevile D’Almeida, Sônia Dias, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, meus camaradas Charles Peixoto, Guilherme Mandaro, Sérgio Eduardo, Maria Antonieta, Simone Cavalcante, Evandro Mesquita e mais uma galera magra e cabeluda, cheirando à patchouli e arroz integral. Quando mais a barra pesava no asfalto, mais a onda se erguia no Pier. Waly batizou o lugar de “Dunas do Barato”. Ali ficou conhecido também como “Dunas da Gal”. Era lá que ela estirava sua canga em companhia da estonteante atriz Vilma Dias.
O Pier foi o berço da contracultura no Rio. O que chegava de fora era imediatamente discutido: cinema, música, moda, poesia. Ali tudo podia. Sexo, drogas e rock and roll. Ser gay ali era quase uma atitude política. O que representasse um mínimo sinal de homofobia, pensamento e atitude conservadora, era xingado de careta, olhado de viés.
A briga mais imediata era com a turma do Pasquim, uma geração mais velha, ainda presa a uma cultura literária que seguiam à risca o lema de Jaguar: “Intelectual não vai à praia. Intelectual bebe”. O corpo era tratado como um subalterno. Faziam piadas, mudaram a cara sizuda dos jornalões da época, peitaram e desrespeitaram o regime militar. Abriram espaço para Leila Diniz e o Underground de Luiz Carlos Maciel, para o palavrão e experiências com a linguagem jornalística. Mudaram muita coisa. Mas ainda tinham uma visão bem reacionária sobre certos assuntos, como sexo, drogas, rock and roll e novos modelos de percepção e comportamento.
Não entenderam Mcluhan. Não podiam. Tinham nascido e vivido sempre dentro de uma percepção linear de mundo. Foram guerreiros. Mudaram o que foi possível. Mas não nasceram dentro do império do fragmento, do caledoscópio da televisão e de novas formas de comunicação que isso gerava. Não tiveram base para encarar as novas experiências psicodélicas (que levavam essa fragmentação a altas voltagens), novos paradigmas de expressão, de comunicação não-verbal. Daí um descaso com a poesia. Só o que existia era o conteúdo. Não viam formas.
Não sou um intelectual, um teórico, o encadeamento lógico racional sempre me confundiu. Mas um fato era estranho para mim: Marshall Mcluhan era proibido na Escola de Comunicação da UFRJ. Alegavam que era um mistificador, um pensador sem rigor científico. Eu, atormentado por minha dislexia, por minha incompatibilidade com a razão do mundo, achava que o mestre canadense podia ter resposta para minhas angústias. Tinha nascido já sob outro meio de informação: a televisão, que sempre esteve presente em minha casa. Eu nasci no ano em que a TV Tupi foi inaugurada em 1951. Embora gostasse de ler, a TV foi meu principal meio de informação. Isso gerava novas formas de percepção. Um entendimento não linear, não hierárquico do mundo. Uma percepção poética.
Voltando ao Pier, aquele foi o verão tropicalista no Rio. Caetano e Gil voltando do exílio em Londres e fazendo shows no Teatro João Caetano. A Geléia Geral de Torquato Neto, na Última Hora, cantando a pedra. Os jornais alternativos pululavam: A Flor do Mal e Rolling Stones, editadas por Luís Carlos Maciel no Rio. O Verbo Encantado em Salvador. Eu publicando poemas e criando páginas para eles. Um leve cheiro de Woodstock ainda no ar. As pessoas orgulhosas de estarem inventando outro estilo de vida, sem amarras e convenções. Eu dava um dois e dizia: podes crer.


BONECA SEMIÓTICA


Era o verão de 72 e o Pier fervia. Ali distribui alguns exemplares do “Muito Prazer”, um deles para meu futuro parceiro de uma música só, Jards Macalé. Fizemos “Boneca Semiótica” no disco “Aprender a Nadar”, um album conceitual de Jards e Waly na linha de morbeza romântica, um disco barroco, tropicalista em homenagem à nossa alma lírica paquidérmica.
Uma tarde, cheguei na casa de Macalé, em Botafogo. Estavam ele e Rogério Duarte compondo e me chamaram pra fazer uma parceria ali na hora. Macalé tocou um samba canção que tinha feito naquele dia. Eu falei: “samba é sempre a mesma história”, pensando em dor de corno, vingança e desejo. Rogério já emendou com “nosso amor morreu na Glória” e foi embora fazendo quase toda a letra. Pinguei uma coisinha aqui, outra ali. Duda Machado, que morava com Macalé, chegou no fim e colocou outra coisinha e lá ficou a criação coletiva de Rogério, batizada com o nome de “Fantasma da Boneca”. Depois Waly, cérebro do disco, mudou para “Boneca Semiótica”. Isso foi em 72.


boneca semiótica
Jards macalé - rogério duarte - duda - ricardo chacal


samba é sempre a mesma história
nosso amor morreu na glória
a boneca foi embora
não obstante esqueceu o seu Fantasma


a paisagem é uma floresta
de signos malignos que você desenhou
paisagem de fim de festa:
rótulo roto vidro partido
onde havia um sentido que você apagou


você venceu com a lógica
digital e analógica
você não passa da progamadora
de repertório redundante da minha dor.


Uma das artimanhas mais malucas foi o lançamento desse disco na Barca da Cantareira que liga o Rio a Niterói pela Baía de Guanabara. A galera compareceu em peso. O disco nas caixas de som da barca. Macalé regendo o acontecimento. De repente, na altura da Ponte Rio Niterói, Macalé se atira na baía, nada alguns metros e é recolhido por uma lancha. A repressão do governo militar tinha o hábito de atirar na Baía da Guanabara seus desafetos. Ele, que tinha medo de ser jogado também, tinha aprendido a nadar. Ou não.


rio, 71. no porão da escola de música villa lobos, antiga sede incendiada da une, um crioulo magro, insuperavelmente trajado com um terno de linho branco e imensos óculos escuros, acompanhado apenas por seu violão, diz: “esquece nosso amor vê se esquece / porque tudo no mundo acontece...”. cartola, seu nome.




CAMBURA BLUES


O início dos anos 70 foi um período pavoroso. A deduração era estimulada e todo vizinho, todo porteiro, eram inimigos em potencial. A paranóia era total. Uma noite baixaram na casa de meus amigos no Leblon, onde idealizei o “Preço da Passagem” e levaram todos. Escapei por pouco. Outras vezes dancei por falta de documentos na noite do Baixo Leblon.
Houve uma cana histórica. Em meados de 72, fui com o Charles ver um show do Hermeto Pascoal, num pequeno teatro na Lagoa, perto da Igreja Santa Margarida Maria. Tomamos uma fatia de LSD. O show que já seria legal sem aditivos, com aquela partícula lisérgica se transfigurou. Sons exuberantes arpejavam as costelas, solos de sax desafivelavam a massa cinzenta que policromia púrpura. Depois do show ainda ouvimos Hermeto dar uma pequena entrevista em que dizia que o corpo humano podia mais sons que qualquer sintetizador. Essa idéia iria levar à cena numa peça em 82 chamada “Alguns Anos Luz Além”. Trecho:


Brisa: espere mercúrio. onde estávamos mesmo naquela última dose de cianureto? estávamos em plenos corredores da quinta auditoria. você se encaminhava para a sala do juri. ia ser declarado culpado do crime de estupro. sim, você era o estuprador de boston. alguns policiais cheiravam suas mãos à procura de indícios que o incriminassem mais ainda. o juiz o recebeu. você de casaco de couro. foram uns quinze minutos a cerimônia. no fim só lhe restava sair do país. tudo são cenas de cinema. jornais da tela. bolas mercúrio, onde estávamos mesmo naquela última dose de cianureto?


Mercúrio: ora brisa, por que será que as frases bailam em meus ouvidos como se fossem vento? isso me atormenta. me sinto no meio de uma borrasca numa lasca de cipreste. minha orelha dói. em vão. as proparóxitonas principalmente, me arrasam. uma vez eu estava viajando e entrei no bar paris, perto da montenegro, na pirajá. bebia uma cerveja com o charles para dominar a onda que era de rara frequência. tudo bulia aos sentidos. parou um camburão na porta. me pediram os documentos. tinha apenas um babilaque frio sem retrato falado. estava tirando o passaporte para o lado de lá. aí na quinta auditoria .... onde estávamos mesmo naquela última dose de cianureto?


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Saímos do show em estado de graça. Fomos andando pela Lagoa, sob as estrelas, falando e rindo igualmente. Na altura da Catacumba, uma antiga favela da área, uma joaninha (fusca da polícia) nos parou. Procuravam armas e nos deixaram seguir. Falei pro Charles que tínhamos corpo fechado e que a Polícia nunca iria nos levar. Seguimos viagem e entramos na Vinícius de Moraes. O ambiente mudou. Mais carros, mais pessoas, mais edifícios. Fomos até o café e bar Paris, um pé sujo na rua Visconde de Pirajá e pedimos uma cerveja, para baixar a onda e nós pudéssemos nos comunicar com outros humanos. A cerveja veio e falei: “Brahma Chopp, alegria da vida”. Esse era o slogan da cerveja na época. Nisso para um camburão na porta do bar. Digo: “Fica frio. Não é com a gente”. Vieram justo em cima de nós. Pediram documentos. Tirei uma carteirinha rasgada, amassada e sem foto de um curso de inglês. O policial olhou aquele trapo, olhou de novo. Eu argumentei que estava tirando passaporte para viajar para fora do Brasil, o que era verdade. Então aquele legionário do Império de Plutão, abriu a boca e disse: E o pro-to-co-lo ? Aquela palavra caiu literalmente como um tijolo no meu pé. Contra aquela palavra, não tive argumento. Acabei de beber a cerveja e fui parar na caçamba do camburão. Eu e um velho pneu. Charles com os documentos em dia (ele ainda estudava na ECO) se livrou e acionou meu pai.


E eu fui naquela caçamba durante um bom tempo assoviando alguma música de Hendrix e torcendo para o carro bater num poste. Depois resolvi decorar um texto para falar para o delegado. Achei que já tinha passado o efeito do ácido, depois de umas quatro horas rodando naquele caveirão, recolhendo algumas prostitutas na Duvivier e Rodolfo Dantes, em Copacabana. Quando o carro parou na delegacia do Leblon, eram umas seis da manhã, o dia nascia. Abriram a porta da caçamba e os raios púrpuras deflagaram novamente os efeitos psicodélicos. Entrei para falar com o delegado, zunindo. Sorte a minha, que lá já estava meu pai e tudo se resolveu. Duas coisas eram certas a partir dali: eu não tinha o corpo fechado e precisava sair do país.




FALÔ


.......... até que um dia
pisaram o pé dele.
orlando tirou a identidade do bolso
e disse:
- pra vocês basta isso de mim.
foi embora assoviando.


a palavra ilegal afinal


(preço da passagem / 1972)




PREÇO DA PASSAGEM


Mas como? A grana era nenhuma. Trabalho tampouco. Meu primeiro projétil poético tinha vendido quase nada. Mas tinha feito barulho. Agora mais conhecido, podia vender melhor e fazer dinheiro para viajar. Alguns amigos estavam indo para Londres, a meca do rock e exílio de Caetano e Gil e outros da turma.
Queria pegar estrada e conhecer o mundo. Resolvi ir com tudo. Fazer mil exemplares. Um grande amigo dos tempos da pracinha, Luís Otávio da Motta Veiga, Tatá, trabalhava numa Consultoria onde havia um mimiógrafo eletrônico, um máquina invulgar, um quilômetro a frente do velho mimiógrafo elétrico. Esse aparelho copiava eletrônicamente a arte para o estêncil. Com isso podia utilizar fotos e desenhos no trabalho. Só não imprimia meio tom e saía tudo auto contrastado.
Fiz o livro num impulso só. Ainda influenciado pela leitura de João Miramar e Serafim Ponte Grande, cine-romances de Oswald de Andrade. Adorava aquele estilo caledoscópico, sintético, absolutamente hilariante, do nosso antropófago-mor. Resolvi criar um personagem e o batizei de Orlando Tacapau. Na época, fumava-se muito. E o fumo, pra mim, sempre soltava a imaginação e embotava o social. As palavras, que fugiam da boca, apareciam em na ponta dos dedos que passavam para as teclas. A gente se reunia num apê na rua Bartolomeu Mitre, no Leblon. Quando eu não mais conseguia acompanhar o papo, seja por dislexia crônica ou porque minha cabeça já estava no livro, eu escapa à francesa para o escritório da mãe do meu camarada Sérgio Eduardo, Célia Dourado, professora de Literatura do Colégio André Maurois. Ela usava como rascunho umas folhinhas de um tamanho excelente, bem menor que meio ofício. Fiquei vidrado naquele tamanho e pensei em fazer um livro com folhas soltas, mas que cada uma, com sua colagem de texto, foto e desenhos, pudesse ter uma independência se lida/vista separadamente. Dito e feito. Charles me ajudou com as fotos. Peguei um desenho com o Sérgio Liuzzi. Outros, recortei de revistas. Em pouco tempo, o livro estava pronto. Rodei-o na empresa do Luis Otávio. Alceei as folhas cortadas, separei em blocos de 34 folhas, comprei mil envelopes, fiz carimbos com o título, meu nome e mais alguns dados. Tudo separado e carimbado, parti para o lançamento. Carlos Vergara, craque das artes plásticas, era casado na época com minha irmã mais nova, Marisa e me convidou para lançar o livro na inauguração de uma coletiva que fazia no MAM. Ampliou, reproduziu e expôs duas páginas do livro. A exposição tinha trabalhos sensacionais, inclusive um penetrável de Hélio Oiticica, com uma televisão no final. Eu me lembro de ter dado um exemplar do Preço para Torquato Neto. O lançamento foi meio mais ou menos. Não vendeu quase nada. O foco era a exposição. Pensei: não vai dar nem pra ir a Niterói! Estava entrando água no meu projeto de ir pra Londres.
Paulinho Lima, produtor do show da Gal, me convidou para participar de uma festa na Boate Sucata na Lagoa. Um show com várias atrações. Eu não tinha nenhuma experiência de palco. Tremi na base. Fiquei uma semana decorando o texto “Delírio Puro” do Preço da Passagem.


quanto mais louco lúcido estou


no fundo do poço
que me banho
tem uma claridade
que me namora
toda vez que
eu vou ao fundo


me confundo quando boio
me conformo quando nado
me convenço quando afundo


no fim do fundo
eu te amo


delírio puro
(preço da passagem / 1972)




No noite do show, lá vou eu com o texto ainda mal decorado e uma mala preta enorme com uns 100 “Preço da Passagem” dentro. Cheguei lá, casa cheia. Botei os livros em alguma mesa e, quando fui chamado, inseguro, meio que sussurrei o poema. Foi um fiasco. Quanto aos livros, os que levei, voltaram. Ali começava o penoso hábito de arrebentar alça de mala carregada de livros.
A viagem para Londres, apesar da venda fraca do Preço da Passagem acabou sendo bancada pelos meus pais. Eles fizeram um grande esforço de reportagem para me colocar naquele avião da British Airways com destino a Londres. Sou muito agradecido por isso.


Outubro de 72 no Brasil ainda Era Medici. O terror estampado. Muita gente presa, outras tantas exiladas. Meus amigos tinham seguido à risca a letra de Gil, na música Oriente


“Considere, rapaz
A possibilidade de ir pro Japão
Num cargueiro do Lloyd lavando o porão”.


Alguns conseguiam ir de cargueiro. Outros iam como podiam. A debandada era geral. Caetano e Gil já estavam voltando nessa época. Mas acenderam o desejo de muita gente com seus discos gravados na velha Albion. Guilherme Mandaro tinha se mandado. Sérgio Eduardo também. Outros amigos seguiam rumo ao Velho Mundo. Eu, que só tinha a experiência de viagens de carona, de baixo custo, respirei fundo e me atirei.




HÓSPEDE DO PLANETA


orlando viajou de balão.
atravessou vales, rios e mares. depois desceu.
subiu numa pedra e disse publicamente:
- de hoje em diante soy hóspede do planeta.
por enquanto.
e mandou seu novo endereço à freguesia.


(preço da passagem / 1972)


LONDRES


A chegada em Londres foi a primeira prova de um dharma bum num país estranho. Depois de me desvencilhar da Alfândega que viu e engoliu minhas cinco caixas de Mandrix, peguei um ônibus do aeroporto de Heathrow até um terminal e lá um táxi. Depois da clássica estranhada com a mão inglesa, dei o primeiro dos três endereços de que dispunha. O motorista me disse, depois de conferir no A to Z, guia das ruas de Londres, que ainda não haviam inventado aquela rua. Na pressa havia anotado o nome errado. Dei o segundo endereço em Notting Hill Gate. O chofer me deixou na porta de uma casa antiga. Paguei, agradeci e apertei a campanhia. Vieram atender e disseram que não havia nínguém com o nome que dei, morando lá. O pessoal tinha tentado alugar um flat ali, mas não conseguiu. A coisa se complicava. Só restava um. Eu ali a pé no meio do mundo, com uma mala grande, uma a tiracolo e um baixo elétrico. Era início de outono e as calçadas cobertas de folhas eram um tapete vermelho. Quem sabe, para me receber. Não sei como, com o inglês de IBEU que tinha, consegui chegar no terceiro e último endereço que era a casa de um cara que eu nem conhecia, destino do baixo elétrico que eu carregava. Paguei o metrô abrindo a mão cheia de moedas para o cobrador recolher o devido. Desci uma estação depois em High Street Kensington. Eram quase dez da noite, o frio apertava. Parei embaixo da casa e apertei a campainha. Ninguém atendeu. Fui até o pub mais perto. Estava fechando. Não dei conta que podia ir para uma estalagem até localizar meus amigos. Guilherme, nesse mesmo dia, estava partindo para Paris, já meio abalado por trips diversas. Eu voltei à porta da casa e comecei a assoviar o hino do Flamengo. Sou tricolor de coração, mas o hino do Flamengo era mais popular. Se houvesse algum brazuca naquele perímetro, iria se manifestar. Nada aconteceu. Resolvi que dormiria ali mesmo, junto às malas e ao baixo até o dia seguinte quando com certeza (sic) acharia meus amigos. Nisso entra alguém na casa. Pergunto se conhecia Fulano no flat tal. Ele não conhecia mas disse para eu subir e bater à porta. Fiz isso. Me atendeu um indiano que não conhecia ninguém com o nome que lhe dei. Fiquei descarrilhado. Subi mais um andar e através de uma porta meio aberta, vi duas inglesas e um inglês, perguntei se conheciam Fulano. Uma delas disse que conhecia mas que ele havia se mudado já havia mais de mês. Vendo minha deplorável situação, ofereceu para eu dormir por ali até achar meus amigos. Ela caiu do céu. Bem, os Mandrix ajudaram. Uma escocesa de nome Margareth. Trabalhava numa loja de apostas de cavalo em High Street. Fiquei uns cinco dias ali. Até que num sábado em Portobelo, encontrei a galera flanando pela feira mais animada desse planeta. Fui cooptado. Adeus Meg, que Zeus a tenha !


ROLLING STONES


Bem os onze meses que fiquei em Londres caberiam num outro livro. As experiências psicodélicas com semente de girassol, romances, devaneios, overdoses,


JIMI E JANE


jimi e jane. jane e jimi.
jane entre alcalóides
jimi, a mando da heroína
dia sim, brown sugar na veia
dia não, grande sertão: veredas


jimi e jane. jane e jimi.
jimi e jane. e um camarada.
- a dose -


jane e jimi. o camarada
mais três junkies
e um cachorro descalço.
- a overdose -


jimi levanta... pára... mudar o disco...
o ar vai... se apagando... apaga...
pânico! boca a boca!
999 na doce manhã inglesa


pressão baixa. cold. too cold.
caras sem rosto
- sister morfine -
querem saber da droga.
jimi negando
neguinho internando
jimi numa enfermaria
com cinco casos terminais
num hospital de fullhan


o doutor aplica o sermão
jimi foge do hospital
jimi compra flores
na clara manhã do dia seguinte


jimi e jane. jane e jimi.
jane e jimi. jimi e jane.
sex, drugs & rock and roll


londres 73


(a vida é curta pra ser pequena / 2002)


shows, shows e mais shows de rock, meu desejo mais ardente. Tinha dois problemas para sair de Londres: como carregar ou onde deixar a pesada mala (que isso não se repita. sinto frio mas as malas ... que o diabo as carregue) e o “coming events” do Time Out. Eram shows sensacionais que achava que não podia perder sempre acontecendo nas próximas semanas.


Dois shows em especial me abalaram profundamente. O primeiro foi dos Rolling Stones no dia 7, 8 e 9 de setembro de 1973, em Wembley Park. Depois de entrarmos os 2 primeiros dias no meio da confusão, no terceiro e último dia, a segurança estava reforçada. Mas aos primeiros acordes de Brown Sugar, música que abria o show, houve uma explosão na porta e com outras pessoas, entrei no grito. Corri e fui para bem próximo ao palco. A polícia veio atrás. Jagger parou de cantar e começou a gritar com os policiais, dizendo que ninguém precisava deles ali. Ainda atirou o pandeiro que tinha nas mãos em um dos policeman e voltou a cantar. Aquilo era a revolução ao som de Street Fighting Man e Jumping Jack Flash. Esse foi O show.


ALLEN GINSBERG


Outro espetáculo magnífico foi um festival internacional de poesia no Queen’s Elizabeth Hall às margens do rio Tâmisa. Marquinho Maciel, um arquiteto que morava em nossa comuna em Willesden Green, uma casa com vinte pés de marijuana e uma papoula plantadas no jardim, herança dos antigos locatários, me convidou para o recital. Fiquei espantado quando entrei e vi um teatro moderno com mais de mil lugares totalmente lotado. Não podia imaginar que um espetáculo de poesia pudesse ter tanto público. E foram entrando os poetas. Todos com a mesma empostação, o mesmo palitó e gravata, lendo seus textos formalmente. Até que chamam Allen Ginsberg. O papa da poesia beat americana entra com um macacão jeans, perna engessada, muleta, barba desgrenhada e se põe a vociferar, a gargalhar, a uivar direto no microfone. Era uma ousadia completa dentro daquele ambiente. Ginsberg já era Ginsberg e podia tudo. Até dizer que ia falar um blues e tirar uma pequena sanfona da algibeira e começar a entoar o poema como se fosse um salmo. Como eu sabia muito pouco inglês, prestei mais atenção na gloriosa performance. Pensei que se um dia eu falasse poesia ao vivo, teria que ser com aquela dicção.


verão de 72. rua montenegro. numa esquina, um poeta me sopra ao ouvido num tom quase cantado: “ quando vc passa três, quatro dias desaparecida / eu me queimo num fogo louco de paixão / ou vc faz de mim auto relevo no seu coração / ou não vou mais topar ficar calado, moço solitário, poeta benquisto / até vc tornar doente, cansada acabada das curtições otárias... “ firme no leme que a reta é torta. aquela metralha tcheca vinha de jequié e chamava waly salomão.


Depois de conhecer um pouco Amsterdã e uma estadia devastadora em Portugal, cheguei a um impasse. Ou continuava on the road pela Europa, vivenciando aquele sítio ainda não completamente contaminado pela cultura de massa, me virando como pudesse com a língua estrangeira e a falta de grana ou voltava para minha terra, minha língua. Afinal essa era a forma como tinha decidido viver: escrevendo. Ou me dedicava a aprender outra língua ou tentava virar correspondente estrangeiro, mas eu estava muito frágil, muito fora do eixo. Enfim o Brasil falou mais alto e em novembro de 1973, cheguei no Aeroporto do Galeão, com a idéia de um livro na cabeça chamado América.


FRENESI E VIDA DE ARTISTA


Por aqui a fila havia andado. Uma coleção estava sendo lançada: a Frenesi, organizada por Antônio Carlos de Brito, o Cacaso, grande aglutinador de poetas na época. Reuniu amigos como Chico Alvim, Roberto Schwartz e seus alunos na PUC: Geraldinho Carneiro, João Carlos Pádua, Luis Olavo Fontes, Ana Cristina César.
Em 74 foi lançada a Coleção Frenesi com a participação de Francisco Alvim (Passatempo), Roberto Schwartz (Corações Veteranos), Geraldinho Carneiro (Em busca do Sete Estrelo), João Carlos Pádua (Motor). Os livros eram bem cuidados graficamente, off set e capa em sépia. Motor também era envelopado como o meu Preço da Passagem. O badalado lançamento foi numa livraria perto da Praça General Osório em Ipanema. A distribuição era na mãos dos poetas ou em consignação em algumas livrarias.
Cacaso partia de uma poesia mais clássica em direção à poesia modernista com seus achados e humor desconcertante. Ele foi grande parodista, dialogava muito com a tradição poética brasileira e tinha um rítmo preciso. Creio que o jeito mais descompromissado com a cultura, mais leve e bem humorado que eu e Charles estávamos trazendo via Oswald, tropicalismo e beats, fascinou o Professor. Como a Chico Alvim, outro poeta primoroso, inventor de um estilo próprio, trazendo à pagina, conversas, falas de um narrador invisível. Eram seus ready-mades, seus “ouvido ao acaso”. Chico gostava também de falar seus poemas, o que nos aproximou muito.


MAM 75. havia uma mesa sobre poesia contemporânea. cacaso, chico alvim entre outros na mesa. cacaso falava sobre a poesia que invadia as ruas. alguém – eu? – vocifera: - se poesia é vida, viva a poesia. chico alvim escandiu: “minha namorada cocainômana / me procura nas madrugadas / para dizer que me ama / fico olhando as olheiras dela / (tão escuras como a noite lá fora) / onde escondo minha paixão / quando nos amamos / peço que me bata fundo / pois amo demais meu amor / e as manhãs empalidecem rápido”. leopoldo é o nome do poema. corta.


Chico trazia com ele, outro poeta espetacular, dono de um humor maravilhoso: Carlos Felipe Saldanha e seus personagens, seus poemas ilustrados extraordinários. Cada livrinho seu que enviava a Chico Alvim e Chico nos repassava, era motivo de uma semana de gargalhadas e estupefação. Ele próprio escrevia, desenhava e imprimia suas edições na Alemanha onde servia como diplomata. Era um marginal avant la lettre. Cacaso me apresentou por essa época na Livraria Cultura em São Paulo, Roberto Schwartz, autor do sensacional “Corações Veteranos”. Seus poemas “Ulisses” e “Jura” habitam para sempre minha antologia particular. João Carlos, Geraldinho, Lui eram da minha geração e cada um a seu modo, tínhamos mais a marca dela. Ana Cristina César era a mais difícil. Seus poemas eram irônicos, seu diálogo com a tradição, constante. Ela não pertencia, como eu, a contracultura. Ana C era a super cultura. Fazia parte da turma e pairava muitas vezes sobre tudo e sobre todos com seus traços de sílfide pós moderna. Ela e seus livros, ela e seus óculos de aro, ela e seu sorriso, ela e seu biquini de bolinha. Ela era a única inédita nessa época. Seu primeiro livrinho, “Correspondência Completa”, era um primor, amarelinho, do tamanho de um nada.
Logo logo, fiz contato com Cacaso. Ele era professor da PUC. Nós, alunos da ECO, onde davam aula Heloísa Buarque de Holanda e Abel Silva. Tramamos juntos a Coleçãqo Vida de Artista com livros do Cacaso, Luís Olavo Fontes, Carlos Felipe Saldanha, Eudoro Augusto e meu.
A turma se reunia na fazenda da família do Lui (Luís Olavo Fontes), um paraíso perto de Vassouras, no interior do Rio de Janeiro. Cacaso namorava a irmã mais velha do Lui, a Kaki. Eu namorava outra irmã, Debinha e Lui namorava Ana Cristina César, aluna do Cacaso na PUC. Poetas como Charles, Pedro Lage, João Carlos Pádua e músicos como Joyce, Tutti Moreno, Maurício Maestro entre outros, eram da turma. As reuniões lítero-musicais-etílico-psicodélicas eram frequentes. Viagens iam sendo colocadas no papel e lidas para o grupo. A tônica era o poema curto, bem humorado. Nossos haikais lisérgicos.
Durante o dia, andar a cavalo, catar cogumelo, jogar pelada e passeios a bordo da elefanta Rosinha, um amor de quadrúpede. A fazenda tinha um minizoo, com vários animais selvagens e outros nem tanto. Foi observando os macacos e suas estrepolias que Charles capturou esses versos:


fiquei olhando o movimento dos símios
seus movimentos
suas expressões
estou convencido que descendemos diretamente
dos macacos ganhamos razão
perdemos agilidade e malícia.


(perpétuo socorro / 1976)


Outro magnífico, tiro preciso de Charles feito na fazenda:


- Olha a passarinhada !
- Onde ?
- Passou “.


(creme de lua / charles / 1975)


AMÉRICA


América, meu terceiro livro, publicado em 1975, era o desejo de fazer um livro que misturasse uma América pop, já anunciada pelo Tropicalismo e a lírica e revolucionária Latino América mítica. Na inútil correria dos dias, na urgência vertiginosa daquele período de repressão e falta de grana e trabalho, fiz alguns poucos poemas com essa idéia e depois fui apenas recolhendo poemas que ia escrevendo. É um livro com alguns altos e muitos baixos. Mas a experimentação com a linguagem é talvez sua marca maior, expressa em “Uma palavra escrita”, “Sonidos” e outros mais tradicionais como “Desabutino”, “Meio Fio”, “Espere Baby”, “À Geral”, “S.O.S”. Gosto do America. Acho que ali começo a trabalhar o poema com mais consistência, diferente dos insights do Muito Prazer e da prosa poética do Preço da Passagem.


desabutino


quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de pena e letras lentas
que passa sábado a noite embriagado
chorando que nem criança a solidão


quem quer saber de namoro na idade do pó
um romance romântico de cuba
cheio de dúvidas e desvarios
tal a balada de neil sedaka


quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira na beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido sem ficha nem ninguém para ligar
num dos 527 orelhões dessa cidade vazia


(América / 1975)


América era uma edição em multilite, um processo barato de off set. Foi bancado com a venda de 20 exemplares da minha cota de Navilouca, que foi publicada enfim, pela gravadora Philips, em 1974. A capa do livro, em papel sépia, tinha um desenho do grande amigo Rogério Martins, o Dick. Foi impressa em silk screen por outro grande irmão, Cristiano Menezes. A escrita do poema era individual, com opiniões de Charles, principalmente. Mas todo o resto do trabalho era feito no coletivo, entre amigos. O lançamento foi no Caxinguelê, um campinho de futebol no Horto Florestal, regado a futebol, cerveja e batucada, já com a rapaziada da Nuvem Cigana. O livro ainda tinha na contra-capa, o carimbo do balão da coleçao Vida de Artista. Mas sua alma sempre foi cigana.


CAXINGUELÊ


Essa passagem da Vida de Artista, Cacaso, Lui, fazenda para a Nuvem Cigana, foi se dando através do futebol, um dos meus grandes prazeres. Com o Ivan Viana, passei a frequentar a pelada no Condomínio, no Horto Florestal, já com o pessoal da Nuvem. Depois fomos para o Caxinguelê, também no Horto, e lá durante anos, às quintas feiras, a bola, a cerveja e a batucada rolavam firme. Isso começou em 75 já no período Geisel. A repressão ainda era dura. Os meios de comunicação ainda muito censurados. O mercado de trabalho escasso para artistas e poetas. Então aquelas peladas eram nosso elixir de vitalidade e o Caxinguelê, uma espécie de Embaixada da Suiça. Ali a gente podia se reunir sem levantar a suspeita de formação de quadrilha. Afinal era uma simples pelada. E muitos dos livros, almanaques, sambas, calendários, shows e artimanhas da Nuvem Cigana e do bloco carnavalesco Charme da Simpatia foram urdidos ali, antes, durante e depois daqueles embates titânicos. Faziam parte da galera indomável, Afonsinho, Nei Conceição, Paulo Cesar Caju e outros craques. Às vezes apareciam Paulinho da Viola e Luis Melodia e muitos outros artistas e meliantes. A bola rolava quase a semana inteira. Os Novos Baianos tinham uma pelada na segunda. Na terça, músicos da jovem guarda como Evandro Mesquita, Vinicius Cantuária, Ruban e tantos outros craques.
Eu me arrastava do jeito que dava para terminar a Escola de Comunicação que após dois anos de matrícula trancada, retomei em 74. A Escola funcionava agora na Urca. Foi difícil aquele período. Apesar de ter como um dos professores, Sérgio Sant’anna, a escola me dava um sono mortal. Era repreendido pelos bocejos selvagens que dava em sala. Eu estava muito mais ligado no movimento poético que se adensava no Rio com as coleções Frenesi e Vida de Artista e o contato com o grupo da Nuvem Cigana.


CLOUDS AND CLOWNS


A Nuvem Cigana é fruto de uma idéia do poeta e produtor Ronaldo Bastos que pensava em criar um grupo de ação artística na cidade. Encontrei-o em Londres em 73 e ele já me falava disso. Algo nos moldes da Apple, gravadora dos Beatles, que pudesse produzir discos, livros, shows e distribuir esses produtos. No Rio, ele encontrou o fotógrafo Cafi e conheceram Milton Nascimento e a turma de poetas e músicos mineiros que já idealizavam o Clube da Esquina, outro marco da música brasileira, na onda do pop internacional dos Beatles a Neil Young, com alta voltagem poética nas letras do próprio Ronaldo, Márcio Borges, Milton, Fernando Brant. Àquela idéia do grupo de produção de Ronaldo, juntou-se a rapaziada que jogava bola no Caxinguelê, liderada pelos arquitetos Pedro Cascardo e Dionísio Oliveira e pela engenheira e grande irmã, Lúcia Lobo. Eles vinham do movimento estudantil e das batucadas em Búzios, onde já ensaiavam o Bloco Carnavalesco Lítero Musical Euterpe Charme da Simpatia. Eles queriam ter algum tipo de ação que não fosse à luta armada ou mesmo a tradicional política dos grupos de esquerda. Juntou-se a febre com a vontade de ferver. E a Nuvem Cigana entrou em campo.
Começaram a se reunir em Copacabana, na ladeira Santa Leocádia e depois compraram e reformaram um casarão no alto de Santa Teresa, perto das Paineiras, que passou a ser uma das comunas mais loucas e ativas no movimento poético dos anos 70 na cidade.


SOL IPANEMA E BAIXO LEBLON


Paralelo à Nuvem e ao Caxinguelê, o movimento dos poetas se espraiava também no Sol Ipanema, um sítio colado à lendária Montenegro, a praia dos anos 60, em frente ao Hotel Sol Ipanema. O Sol que tempos depois e alguns metros adiante, virou o Posto Nove. Ali se encontravam diariamente Charles, Eudoro Augusto e vez por outra, Guilherme Mandaro, Luis Olavo Fontes, Ana Cristina Cesar, Heloísa Buarque de Holanda, Armando Freitas Filho, Pedro Lage, Tavinho Paes, Xico Chaves. Todos poetas e com livros independentes publicados, a fim de fazer a poesia soar pela área conflagrada que era o Brasil de então. Entre um mergulho e outro, um poema no bico da gaivota vinha à tona. O Russo era quem nos servia a cerveja e a conversa rolava. Ali se tramou muita artimanha e se formatou todo delírio.
No Sol apareceram os primeiros topless em 76, 77. Fernando Gabeira fez furor no pedaço com a famosa tanguinha de crochê, recém chegado do exílio. O Asdrúbal Trouxe o Trombone, fazendo a peça blockbuster “Trate-me Leão” no Teatro Ipanema às 7 da noite, saía da praia direto para o teatro a uma quadra dali. Ali você podia encontrar Caetano Veloso, Arnaldo Jabor, Regina Casé, a Isabel do volêi, a Cristiane Torloni, Nei Matogrosso, Cazuza, Evandro Mesquita, Perfeito Fortuna, Luís Fernando Guimarães, Patrícia Travassos. Ali o pessoal começou a aplaudir o por do sol. Os artistas reconheciam e reverenciavam aquela epifania.
Outro lugar muito frequentado era o Baixo Leblon, point de tudo que era artista e boêmio daquela época. Ali encontrei Ferreira Gullar, Alceu Valença, Carlos Vergara e muitos outros no Luna Bar. Havia a Pizzaria Guanabara (que já frequentava com Charles e Guilherme desde 1970), o Diagonal, que era o mais frequentado por Cacaso, Lui Fontes, João Carlos Pádua, Eudoro e o pessoal da Nuvem entre outros. Ficava-se ali, zanzando pelas esquinas, alterados pelo álcool, mandrix e outros coadjuvantes. Ali, num simples piscar de olhos, paixões se faziam, poemas frequentavam guardanapos e o coração era rasgado com frequência por conta de um amor mal resolvido.
Ali fui preso sem documento, dei boa noite à poste, amei intensamente.
Dentro do tenebrião que era o país naquele período, o Baixo Leblon, com seus sinos dionisíacos, sua luz negra, embalou e iluminou os passos trôpegos e a gargalhada desafiadora da poesia marginal.


MIRANTE DO LEBLON


aqui
encostado na aurora
todo meu ser esplandece
todo meu ser desarvora


aqui
o amanhecer
vai me encontrar
agora


( a vida é curta pra ser pequena / 2002)


NUVEM CIGANA


Se no início dos 70, na época do mimeógrafo, o movimento ainda estava muito crú e Charles Peixoto, Guilherme Mandaro e eu, ainda nos iniciávamos nas maltraçadas, se a Navilouca era o canto do cisne de um grupo de poetas de formação diferente da nossa, se o grupo da Frenesi e da Vida de Artista eram mais afinidades literárias que propriamente de atitude, a Nuvem Cigana para mim foi a junção de gosto estético e filosofia de vida. Charles, Guilherme e eu já estávamos mais rodados, com a experiência de três livros lançados Travessa Bertalha (Charles, 71), Muito Prazer (71) e Preço da Passagem (72). O movimento independente tinha se alastrado. Vários poetas já haviam produzido livros por conta própria. Na Nuvem Cigana, Ronaldo Bastos (Canções de Búzios) e Ronaldo Santos (Entrada Franca) tinham publicado em mimiógrafo. Além disso, a Nuvem Cigana era aquele misto de carnaval, com sambas originais e bem humorados, com cenários, fantasias, estandartes, tudo muito curtido, sem a pretensão das “instalações” e “happennings” das artes plásticas. A Nuvem botava o bloco na rua, arrastava a galera e se divertia. A Nuvem botava a bola no chão, dava o drible, arrematava e corria para o abraço. Era muito mais a minha cara, pessoas mais diretas e com uma disposição irresistível para mudar o mundo através da batucada e das artimanhas.
Conheci Ronaldo Santos numa noite imemorial. Empatia imediata. Gostavámos da mesma droga também chamada poesia. Ronaldo já conhecia o Preço da Passagem e o Muito Prazer. Ele me apresentou o Entrada Franca. A conversa rolou por muitos dias. Ali no Horto também morava Bernardo Vilhena, casado com a Martha, num apê simpático e bastante frequentado por nós todos. Nos conhecemos na produção do América. A pedido de meu cunhado Vergara, Bernardo me ajudara a achar uma gráfica pra rodar o livro. Ele me falou seus poemas. Ficamos amigos.
Meu primeiro apronto com a Nuvem foi o lançamento do América. Na correria para o lançamento, Cristiano Menezes e eu imprimimos as folhas no galpão em que o Ronaldo Santos fazia silk screen em Botafogo. Colocamos com a tinta ainda fresca, uma sob as outras. A tinta secou e colou as folhas, ficando aquele tijolo muito bonito e inútil de capas. Tivemos que refazer, atrasou, mas saiu a tempo. No Caxinguelê, houve a combustão futebol, samba, cerveja e poesia. Ainda não havia artimanha com a poesia propriamente dita. Mas aquele lançamento foi um ensaio glorioso.


O GIRAU


Nesse período entre 75 e 76, fui morar na rua Almirante Alexandrino, no alto de Santa Teresa, próximo à casa da Nuvem Cigana, com o Cristiano Menezes. Era um muquifo sui generis. O antigo prédio, como muitos em Santa, era construído na rocha. Da pedra se erguiam os alicerces. E bem lá na base, sobre o granito, em torno dos pilares, fizeram paredes, cimentaram o chão e pronto. Era próprio para primatas, um quarto do espaço era ocupado por uma pedra caiada de branco. A vista era espetacular. Dava para a Zona Norte e via-se ao longe o Dedo de Deus, em Teresópolis. De noite as luzes pareciam purpurina. Eu e Chris dividíamos esse espaço precário. Pedro e Dionísio, embuídos do espírito de irmandade da Nuvem, fizeram um girau de madeira. Subía-se pela pedra. Era sensacional. Um dia, dormindo depois do almoço, entre a máquina de escrever e uma arma que o Chris guardava por precaução, entraram na mansão e levaram a arma. Possivelmente um pivete do Morro dos Prazeres, pequeno o suficiente para se esgueirar pelas frestas. A minha arma, neguinho aliviou. E deu para compor esses versos:


só dos terratenientes


não tenho nenhuma observação a fazer sobre a vista da varanda.
nenhuma, a não ser o céu largo e iluminado dos subúrbios do rio de janeiro
céu que se alonga ao longo do mundo inteiro.
não é de todo mundo a terra que é redonda.


( 26 poetas hoje / 76)


A casa ficava a duas ou três de distância do casarão onde moravam Márcio e Lô Borges, o diretor de teatro, Eid Ribeiro e o ator Kimura. Um dia eu e o Marcinho descemos o morro para receber uns direitos autorais na Cinelândia. Na época eu pouquíssimo fazia letras. Na verdade só tinha editada a “Boneca Semiótica” com Macalé, Rogério Duarte e Duda Machado e talvez “Revoada” com Moraes Moreira. “Pragmático” como sempre fui, me concentrava em me viabilizar como poeta, escrevendo e distribuindo meus livros junto com a Nuvem Cigana. Mas esse encontro com o Márcio rendeu um porre memorável em que batizamos um traçado de Tropical Melancolia e cambaleamos pelo centro da cidade até a estação do bonde que entre dlen dlens, curvas e assobios, nos devolveu mareados ao alto de Santa Teresa.
A Nuvem Cigana estava a pleno vapor com 3 livros lançados: Creme de Lua (Charles Peixoto), Rapto da Vida (Bernardo Vilhena) e Vau e Talvegue (Ronaldo Santos) e um adotado: América, de minha lavra. A animação era muita. Poder estar juntos, realizar coisas, produzir pequenos livros de poesia, fazer lançamentos, conviver intensamente nas festas, nas reuniões, nas peladas, na praia, daquele Brasil Ordem Unida, era motivo de júbilo.


UM RETUMBANTE FRACASSO


Era o ano ímpar de 1975. Tinha feito o América, lançado no Caxinguelê. Morava em Santa Teresa e ouvia vozes. Um dia fomos convidados pelo excelente poeta e boêmio contumaz, Eudoro Augusto, para lançar nossos livros em Florianópolis. Ele havia morado um ano lá e conhecia a cena. Ele estava lançando o livro “A Vida Alheia”, pela Coleção Vida de Artista. Seu parceiro no livro O Misterioso Ladrão Tenerife, Afonso Henriques Neto, também conhecia a área e foi. Aceitamos na hora o convite. Nós nos achávamos “o sucesso”. Os livrinhos eram falados, saía alguma coisa na imprensa. Nós éramos felizes de estar juntos se divertindo e realizando alguma coisa.
Charles, Bernardo , Ronaldo e eu enchemos a mochila de livros, incorporamos o Dionísio, o mestre-olho da Nuvem, e lá fomos nós para Floripa numa viagem de 18 a 20 horas. Lá ficamos numa mansão à beira mar de uns parentes do Ronaldo Santos. Passamos o primeiro dia conhecendo a cidade, espetacular com seus vários eco-sistemas. À noite, bebemos num cabaré no continente entre mariscos, moluscos, trilhas e tilápias. No dia seguinte, no almoço, tive que aturar o primo do Ronaldo, me chamando de “cavalo”. À tarde fomos assistir a um jogo pela televisão, num buteco dentro do mercado da cidade. Lá pelas tantas, no início do jogo, o Afonso tira a camisa e por baixo tinha outra do Fluminense. Foi ovacionado pelos tricolores Eudoro, Bernardo e eu.
O lançamento seria na galeria de artes, A-2, na Travessa da Harmonia, nº2, no dia 26 de setembro de 1975 às 21 horas. O dono, amigo do Eudoro, chamava Beto e parecia o Elton Jones. Passou a ser conhecido entre nós por Esbelton Jones. Poucas pessoas entraram na galeria e meia dúzis de dois ou três livros vendidos no total. Amargamos aquela frustação e prejuízo, secando vinho e vodca em doses industriais. No dia seguinte, eu me recusava a existir. A dona da casa, me vendo naquele estado lamentável, tentou puxar conversa. Eu tentei expressar minha frustação com o fracasso da noite anterior. Mas só devo ter dito palavras desconexas. Mudando de assunto, ela me falou de uma viagem ao Japão que faria com o marido em breve para comprar uns casacos de pele. Nós ficamos nos olhando como se um clavicórdio e uma anêmona pegassem o mesmo elevador. Talvez se eu falasse que as ações do nosso empreendimento tinham sofrido um brusca queda na noite anterior, devido a falta de investimento promocional e o desconhecimento do mercado local que estava mais interessado em ostras e tainhas. Não fosse a ressaca bestial, o prejuízo nas passagens, a coluna moída com o peso dos livros nas costas, teríamos até voltado felizes com a fuzarca.
Na viagem de volta, vim matutando. O erro tinha sido o tipo de lançamento, mais chegado a uma vernissage ou a uma noite de autógrafos. Como não tínhamos nada a expor, a não ser nossos livros raquíticos, o fracasso. Esse tipo de acontecimento só atrai os amigos. Tínhamos que virar aquele disco. A gargalhada de Ginsberg ressoava vez ou outra na viagem de volta ao lado de Dionísio. Aquela prática tinha que mudar.


o piso da galeria era duro. cimento bruto. um cara alto, óculos escuros, bernardo, jeans, camisa da marinha verde operava o projetor. no áudio, a bateria do cacique de ramos. na tela, slides dos índios na folia. um gosto de limão e pólvora excitava o ar. a galera aglomerada assistia. um impulso atávico, um desejo primordial cutucou o cara escuro e alto de óculos. “- vou invadir”. entrei na roda e papo de índio no papo. era o fim da tarde do dia 30 de outubro de 1975. livraria muro. ipanema. corta.


ALMANAQUE A CAMINHO


Na chegada ao Rio, a Nuvem se reuniu para fumar e deliberar. Após o sucesso dos livros lançados, especulava-se a próxima atração. A diretoria achava que livro jogava muito o foco no poeta e o grupo ficava na neblina. Era assim com a produção tradicional. A editora ficava em sempre em segundo plano, contabilizando o prejuízo.
É uma atividade heróica se publicar poesia num país de poucas letras e muito som. Não é a toa que nossos poetas populares são os compositores das canções. Publicar poesia tem a ver com prestígio, com o respeito que se tem com os kamikases, com samurais que cometem o haraquiri. Mas já que o sistema abria pouco espaço, nós mergulhávamos fundo, em busca, senão de grana e reconhecimento, mas de algum prazer.
A opção da Nuvem naquele momento foi criar uma revista. Ou melhor, um almanaque que reunisse trabalhos de grande quantidade de artistas do grupo, que não podiam esperar mais. Eram fotógrafos, desenhistas, arquitetos, sambistas, uma plêiade fulgurante. Um almanaque que desse voz à galera e elevasse o nome da Nuvem Cigana. Foi assim que surgiu o Almanaque Biotônico Vitalidade.
Numa noite fria de inverno, reunião na casa do Pedro, como a galera chamava a casa da Nuvem. A rapaziada toda presente para ouvir as novas. Me incumbiram de dar o recado. Meio trêmulo, como sempre, chamei a atenção para uma publicação que falasse sobre o estado policial que estávamos vivendo. Não precisava. Aquilo estava na ponta da língua. E com a verve indolente dos que fingem que vão para um lado e vão mesmo, com a malemolência de um passista de São Carlos, os trabalhos foram chegando. Longe da poética engajada de um Violão de Rua, uma poética de burgueses compungidos com a miséria do povo, nosso drible era a própria rua, o futebol, o carnaval. A vida pulsando nas artérias da cidade. O reflexo disso devia estar no Almanaque. E ele estava sendo gerado no ventre da Nuvem.




SOM SOL SURF / SAQUAREMA 75


Fora da Nuvem Cigana, o mundo parecia um remanso, onde as águas mais paravam que fluíam. Participei de um evento em Saquarema, “Som, Sol, Surf”, em meados de 75. Nelson Mota idealizou o festival e me chamou para fazer a cobertura da parada com o que ele chamou de “instant poems”.


ONDA


a onda ..............
o que é a onda?
- a onda é spruvs.
...................................


CADÊ O CARA ?


cadê o cara q se afogou?
cadê o cara q se afobou?
- tá espaçonamorgrafando


(nariz aniz / 1979)


Seria um cobertura poética do evento a ser publicada numa revista que nunca saiu. Mas bem lembro do choque que tive com aquele cenário de praias selvagens, altas ondas, pessoas lindas e as caixas de som vomitando rock pelas areias de Itaúnas, a praia do surf em Saquarema. À noite no estádio local, shows com Rita Lee, Raul Seixas, Serguei e outros craques. Fiquei fora de si. Queria invadir o palco, falar algum poema. Mas como ? Estava invariavelmente chapado mesmo para fazer meus “instant poems”. Definitivamente eu não era um beat. Nada deu muito certo. Revista, filme, nada que estava programado veio à luz. Não sei como, sobrevivi àquela tsunami.


Em 75 produzi o festival " Som, sol e surf" em Saquarema. E chamei o Vimana para participar, ao lado de Rita Lee, Raul Seixas, Made in Brasil e outros grupos menores, além da promissora estreante Angela Rorô. No estadiozinho de futebol entre a lagoa e o mar de Saquarema. Foi o caos. Marcado para duas noites, o festival só teve uma. Na primeira, um temporal obrigou o cancelamento. A solução foi juntar as duas em uma só. O cancelamento, bem ao espírito hippie da época, terminou em uma festança com todos os participantes, que varou a noite. No dia seguinte pouco mais de cinco mil pessoas compareceram ao estádio, os shows foram mornos, Rita e Raul decepcionaram, o Vimana e Rorô foram assim-assim e os prejuízos enormes. Mas tudo terminou com todo mundo feliz, entre ácidos e baseados, vendo o dia clarear em Saquarema, comemorando um delicioso não-sucesso. (Nelson Mota)


MORAES MOREIRA


Eu comecei a compor com Moraes Moreira. Fizemos “Revoada”, um passo doble, na cola do grande sucesso que foi “Pombo Correio”. Na época, eu sem dinheiro, não tive como ir ao Carnaval na Bahia para ver e ouvir a galera cantando “Revoada” atrás do trio elétrico.


revoada
cabeleiras cambalache
andarilha
pela trilha do sol



(muito prazer / 1972)


“Revoada” era do meu livro “Muito Prazer”. Moraes fez alguns retoques para encaixar na música. Depois ele musicou um um poema clássico meu: Meio Fio. E fizemos um samba impagável “Leontina”. Eu estava vendo o Fantástico e vem a matéria com pessoas que tinham algum tipo de alergia depois de beijar na boca. De imediato fiz um texto em prosa, desentranhado da matéria. Moraes que morava no mesmo prédio que Afonsinho, em frente a Escola de Comunicação, na Urca, me veio depois com um samba de breque, sem tirar uma vírgula do texto em prosa. Habilidade é outra coisa. A canção ficou inédita. Segundo consta, por problemas com a censura.


LEONTINA


esses dias saí com uma mina, uma tal de leontina, levei ela lá
na quinta da boa vista um bom passeio no jardim zoológico. leontina minha mina se amarrou num crocodilo com cara de esquilo. até aí foi tudo bem. mas no terceiro saco de amendoim que a gente repartia com o elefante, enquanto eu começava a ficar ofegante por leontina, ela começou a eruptar. é que aquela macaca tinha erupções cutâneas das mais estranhas quando comia amendoim. ai de mim !


(a vida é curta pra ser pequena / 2002)


VIDA DURA


Sobreviver naqueles tempos bicudos era difícil. Arrumava uns biscates, colando cartazes de shows, produzidos por Carlinhos Sion, no Tereza Raquel. Shows com os artistas mais em evidência na época: Alceu Valença, Fagner, Zé Ramalho, Belchior, Ednardo. Eles vinham com muita voracidade e talento acontecer no Rio. Misturando guitarra, baixo, bateria à flauta, triângulo e zabumba, era de fazer levantar cadáver. Especialmente Alceu que ainda por cima, tinha o dom performático exacerbado, um verdadeiro mamulengo de feira que, reza a lenda, havia enchido seus shows assim que chegou ao Rio, através do auto-falante que usava nas ruas de Copacabana para divulgar seu espetáculo.
Os cartazes em bares e restaurantes, eu colava. Além disso, montava banquinha nos saguões de teatro com os livros da Nuvem.


PRIMEIRA ARTIMANHA


Em outubro de 1975, o Rui Campos, nosso excelente livreiro e amigo, nos chamou para fazer uma feira de arte na galeria da livraria Muro em Ipanema, no feriado de Finados. Fazer festa era com a Nuvem. As festas da casa de Santa eram famosas. Duravam dias. Eram as verdadeiras artimanhas, sem roteiro ou script. Neguinho perdia as estribeiras. Pedro, Dionísio, Lúcia, Ronaldo Bastos, Seu Ércole, pai do Pedro e Valmiro moravam lá. O acolhimento era geral e os náufragos existenciais da cidade inteira, muitas vezes encalhavam por lá. Valia a pena ver os esporros que o Pedro dava ora no Valmiro, ora no Paulinho Menor, grande mestre, arquiteto, desenhista, poeta e membro da ala dos compositores do Charme da Simpatia. Invariavelmente Paulinho atravessava o Cabo da Boa Esperança e adentrava o Estreito de Gibaltrar já pelas tabelas. Os reveillons e as festas no dia de São Pedro, aniversário do Pedro, ficaram históricas, devido à alta voltagem elétrica. O mundo inteiro estava ligado sob às plácidas estrelas e o véu de Santa Teresa.
Mas voltando à Feira de Arte, nos reunimos para fumar e deliberar. Decidimos que a parada ia se chamar “Artimanha”, tirado de um poema gráfico monumental de Torquato Neto:


poeta
mãeda
sartes
manha
sdarm
asdho
jedha
manhã


(a artimanha do texto em sua própria montagem. formaconteúdoúnico).


Sabíamos que na Feira/Festa iria ter música (voz e violão), batucada do Charme, dança, áudio visual, mas não sabíamos como encaixar a poesia, muito embora no cartaz da Artimanha tivesse a famigerada palavra “declamação”. Nós recusávamos a fazer varal, um hábito muito monótono. Para falar os poemas, nos faltava um modelo. Ninguém falava poesia em público no Rio de Janeiro naquela época. Tínhamos vários cantores que quase falavam suas canções. Cartola, por exemplo. Alguns, como Caetano e Gil, ousavam falar seus poemas com arranjos experimentais, como em Acrilírico e Objeto Semi identificado. Mas em disco. Ao vivo, nada se via. No palco, nada da fala da poesia. Ao menos aos nossos olhos e ouvidos. Vinicius havia tentado mas quase sempre o poema envolvido na canção. Então, me lembrei de Ginberg gargalhando.
A Artimanha começou no fim da tarde de quinta feira, dia 31 de outubro de 1975. A primeira atração era um áudio visual de Carlos Vergara sobre o bloco carnavalesco Cacique de Ramos. Vergara fotografou os foliões do bloco durante alguns anos. Eram retratos dos caciques no carnaval de rua. O que interessava a Vergara era o jogo de semelhança e diferença, já que todos compravam a mesma fantasia, impresso sobre curvim, um couro sintético, recortavam a peça e a amarravam no corpo. Homens um modelo. Mulheres, outro. A diferença estava na maquiagem. Colava-se esparadrapo, os mais estridentes modelos de óculos, pintava-se para a guerra / embate com a polícia, tradicional em todo desfile. Participei de uma saída no Cacique. Meio dia. Avenida Antônio Carlos. Um calor colossal. As mulheres à frente do bloco. A bateria no meio e os homens atrás. Em frente às autoridades, os caciques em círculo sentaram na Avenida. E passaram um lenço com lança perfume, se levantaram zuados e seguiram o desfile. Na saída do percurso, a polícia caiu de pau. Os índios recuaram, tiraram as hastes das alegorias de mão e arremessaram na polícia. Uma nuvem de lanças cobriu a Avenida Antonio Carlos. Como dizia um dos célebres dísticos da Nuvem Cigana, esse de Ronaldo Bastos: “enquanto houver bambu, tem flecha”.
Voltando à artimanha, as imagens do áudio visual eram os retratos desses “caciques” com o som da bateria do bloco. Aquilo começou a zambumbar na minha cabeça já tomada pelo alert limão que deixava tudo em estado de nuvem. O ambiente escurinho para a exibição era favorável. A maioria ali era de amigos e conhecidos. Não tive dúvida. Falei para o Bernardo Vilhena que operava o projetor: “vou entrar”. E entrei na roda falando o “Papo de Índio”:


PAPO DE ÍNDIO


veio uns ômi di saia preta
cheiu di caixinha e pó branco
qui eles disserum qui si chamava açucri
aí eles falarum e nós fechamu a cara
depois eles arrepitirrum e nós fechamu o corpo
aí eles insistirum e nós comemu eles.


(muito prazer / 1972)


Era nossa alforria do poema impresso Era a revolta do corpo e da fala. Estava aberta a temporada da poesia propriamente dita. Na seqüência, começaram a entrar as mais diversas figuras falando seus textos. Paulinho Menor, Cláudio Lobato, Charles, Bernardo Vilhena, Ronaldo Santos. Estava tudo já na ponta da língua, esperando aquele momento para acontecer. E ali a poesia mostrou que podia também se libertar do livro e estabelecer contato direto entre o poeta e o ouvinte como já faziam os gregos, os índios, os griots africanos, os cantadores de feira, os menestréis. Ali a poesia virou letra de música e nós, poetas, a capella, seus cantores. Era uma quinta feira, dia 30 de outubro. Drummond fazia 73 anos no dia seguinte.


Mais três apresentações marcaram minha memória naquelas primeiras artimanhas:


1 - O jogral de Tavinho Paes. Ele explica:
“ O texto não existia de fato. O que havia era o coral dos fonemas da palavra ORDEM e eu ficava com a liberdade de dizer e improvisar o que queria (acho que citei vários autores, não me lembro) sempre pontuando pelas frases: “tem um escorpião no texto / tem um camaleão no texto”.
O conjunto se chamava “Ordem na Desordem” e a idéia foi preparada e discutida entre eu e o Demétrio Gomes, baseado numa apresentação dadaísta acontecida em Zürich, no Cabaret Voltaire, em 1915, idealizada por Hugo Ball, que havia saído da prisão (ficou 8 meses em cana por falsificar passaportes para quem não queria entrar no serviço militar)
O Coral era Demétrio de Oliveira Gomes, Lúcia Guimarães, Rosane Bloch, Soninha Toda Pura, Doralice e Lena Adinewa
2 - o cine-poema de Flávio Nascimento que fez dois furos numa caixa de sapato, uma para o olho do espectador e no outro, ele com pequenas fichas de papel, ia contando uma história com poemas. Um trabalho épico.
3 - O terceiro foi o trabalho do grupo Bela Boca, filiado ao poema-processo, vanguarda que se batia pelo fim do verso e já havia queimado poemas e livros de Drummond, Bandeira, Cabral nas escadarias do Teatro Municipal. Eles resolveram soltar uma bomba durante a mostra. Curioso é que naquele período de ditadura, uma bomba também era uma expressão artística do terror que se vivia. Foi um estardalhaço, com a cabeça de nego ressoando por toda a galeria durante a apresentação de um número musical que saiu completamente chamuscado. Entre mortos e feridos, tudo acabou em samba, com a bateria do Charme da Simpatia convocando ao canto e a dança coletiva. Auê ! auê ! auê !


ENQUANTO ISSO ....


Jornal do Brasil em outubro de 1975


O Asdrubal Trouxe o Trombone, estréia 28 de outubro, a peça Ubu, de Alfred Jarry, no Teatro Experimental Cacilda Becker, que reabria suas portas, reformado por Perfeito Fortuna e o Serviço Nacional de Teatro, chefiado por Orlando Miranda.
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Hamilton, em matéria assinada por Macksen Luiz no Jornal do Brasil em 27 /10/75 diz: “Há todo um sistema evitando a criação do inesperado. Tudo deve ser pré-existente. Sempre estão dando um jeitinho de não chegarmos perto do público”.
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Manifesto UBU: para exercitar sua revolta, o Asdrúbal não deseja pouco público, constituído geralmente de iniciados, mas precisa visar o teatro fora do edifício-teatro: nas escolas, faculdades, clubes e agremiações.
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Jarry / Asdrubal = não tem sentido tentar exprimir sentimento novo em uma forma antiga, ultrapassada.
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Drummond escreve crônica sobre Nelly e Margareth, duas elefantas velhas e abandonadas pelo circo orlando orfei e que a prefeitura de marcos tamoyo relutava em adotar
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o fluminense ganhou do santa cruz por 1 a 0, gol de gil, jogando com felix, toninho (zé maria), silveira, abel e marco antônio, zé mário, cleber e rivelino, gil, manfrini e zé roberto.
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No cinema passava: o fantasma do paraíso, de Brian de palma, no Leblon. O jovem Frankstein, de Mel Brooks, no Veneza e Acossado de Jean Luc Godard, no Cine Jóia, na avenida Copacabana.
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No teatro, além do Ubu, tinha uma outra montagem de Hoje é Dia de Rock, de Zé Vicente, “Katuka, Katuka, mas não machuca”, uma revista com Lady Francisco, Jorge Loredo e Almeidinha, no Carlos Gomes.


Apareceu a Margarida batia o recorde de um milhão de espectadores, apresentado em seis países simultaneamente.


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Na música, Maria Betânia e Chico Buarque faziam show juntos no Canecão.
“As noitadas de samba” às segundas feiras no teatro opinião reunia nelson cavaquinho, vera da Portela, Baianinho e passistas.


Artes Plásticas


Artimanhas em Geral – mostra de poesia, pinturas e desenhos e exibição de filmes de animação e Super 8 de diversos artistas. Livraria Muro – rua Visconde de Pirajá, 82. De quinta a domingo a partir das 21 hs. Até domingo.


Ana Bella Geiger no MAM.


Cildo Meirelles – Galeria Luis Buarque de Hollanda e Paulo Bittencourt


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A Tijuca recebe seu primeiro supermercado de material de contrução, o Kral, do grupo Kobra.
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Sílvio Santos arremata a massa falida da TV Continental por 683 mil cruzeiros.
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Gisela Pitanguy estreiava um novo penteado, curtíssimo, assinado por Jamie.


Na Globo, Selva de Pedra, de Janette Clair, com Regina Duarte e Franciscon Cuoco.


A viúva Roberto Silveira (Ismália) hospitalizada em Niterói, vítima de um acidente provocado por uma malta de desocupados entregue ao nefasto exercício da roleta paulista.