poemas



     


de BELVEDERE (2007):


SETE PROVAS E NENHUM CRIME


havia a mancha de sangue no jaleco
e nenhum corpo
havia o olhar rútilo, o rosto crispado
e nenhum motivo
havia o cheiro impregnado no co
e nenhuma digital
havia o vírus, o bilhete, a arma branca
e nenhum assassinato
havia em vão a confissão
e nenhum ilícito
havia a cadeira de rodas vazia
e nenhum suspeito
havia um gato emborcado no aquário
e peixe nenhum

(chacal)


***
SENTINELA

teu jeito de elefanta contraído me angustia.
quem sou eu, quem és tu nessa manhã que se anuncia ?
sentinela, minha nega, estou tomado pelo teu sentimento.
posso dizer que um elefante passa em mim
com seu passo lerdo, um tanto tardo de ser.
quando tu assoas tua tromba, sentinela, me assombra.
quem não ficaria sem ar com o teu passar resfriado
com teu ventre que abrange o mundo paralisado ?
sentinela sentinela quem te deu esse nome bacana ?
por que sais de manhã toda trêfega e só voltas sei lá quando ?
sentinela, esse jeito avoado de quadrúpede no cio me assanha.
alguns te chamam elefanta, outros aliá e todos tem razão
menos eu sentinela, menos eu que sou assolado pelo teu sentimento.
por que não vieste a esse mundo, um walk talk, um disc man ?
assim saberia operá-la ou escutar hendrix quando quisesse.
mas não. vieste elefante e para escutar teu berro lancinante
teu ronco visceral, fico impassível como um hidrante.
vai, sentinela, vai !
cambaleante pelas ruas do rio. boa sorte. seja feliz.
até logo.

(chacal)
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de A VIDA É CURTA PRA SER PEQUENA:






RUAS


há mai
s de meio século
ando por aí
há cinquenta e nove anos
cruzo rio brasília
londres são paulo
cidade do méxico lisboa
amsterdan nova york
a pé


mix
de finalidade interior
e casualidade exterior
tudo me interessa
os olhos
não usam viseira
nem os ouvidos
capota
o nariz
eu trago atento
o tato
bem apurado


absorvo impressões
de outros
que caminharam
por mim
em minha caminhada
pelos outros

paisagens
urbanas
suburbanas
superurbanas
me constroem
o tempo todo
em que eu
ando e paro
paro e ando
reparando
do que é feito
o conteúdo
da caixa preta
do planeta

(chacal)


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CIDADE

cidade: parada estranha
aglomerações
linhas cruzadas
engarrafamentos


estranha cidade parada
cristalização de caos tédio estupor
escornada no espaço
veias abertas pedindo mais mais sempre mais


cidade: paradinha sinistra
babel bélica
bando de gente a ir a algum lugar nenhum
infinito véu de pulsações
gases desejos dejetos
palavras & balas
perdidas perdidas perdidas


cidade: sinistríssima parada
tudo é recriado e se esfumaça
seus citroens seu rock and roll
luzes da ribalta refletem na sarjeta
what’s going on
as prensas não podem parar
notícia notícia notícia
revista já vista já velha
reprocessando matéria
clonando idéia
novelha novelha novelha


parada cidade estranha
choque elétrico todo dia
a dias meses anos
desintegrar - bang big -
numa implosão final
impotentes paras formatar
bilhões de bytes
trilhões de raios catódicos
em expressão inteligível


cidade : parada estranha
excesso exagero coisa fumaça
corpo crivado de bits
corpo crivado de bits
corpo crivado de bits


(chacal)




de LETRA ELÉTRIKA


ALICE

eu sempre fiz teatro
eu sempre vi teatro em tudo à volta
trezentos e sessenta graus de truques
a humanidade é


adoráveis artimanhas admito
engenhosas situações a nos envolver


me tranquilizo em saber
que aprendi a abrir
consideráveis picadas
com meia dúzia de estratagemas

(chacal)



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CONVALESÇO


convalesço
dos males que me infligi
das noites que não dormi
mulheres que em vão amei


convalesço
da vertigem que fiz de mim
do cavalo que quis meu fim
vida que desesperei


restabeleço contato
com tudo que quis pra mim
com o tanto que um dia eu fui
com o tal que desaprendi


restabeleço contudo
com tato tempo e afeto
com nada chamado pressa
nem nunca de outra de horror


com calma amanheço
da delirante noite do ópio
da nebulosa treva tenebrosa
do uivo lancinante do demente


amanheço
com a boca seca da miséria
com o lábio rachado do pavor
com o cinzeiro entupido de visões

amanheço com calma(chacal)                                                                                         


de COMÍCIO DE TUDO



POP ART
ande logo seja breve leve love
pop art: use abuse e descarte
breve leve now ou never leve love
pop art art pop
é melhor e dá ibope
pop pop pop art
art art art pop
pop art é cultura
aproveite enquanto dura
pop art em toda parte
agora também em marte

(chacal)
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BERMUDA LARGA


muitos lutam por uma causa justa
eu prefiro uma bermuda larga
só quero o que não me encha o saco
luto pelas pedras fora do sapato

(chacal)








de DROPS DE ABRIL



VALHALLA
está tudo fosforecente
parece um campo de força
uma cápsula lunar
está tudo vago
estou nas fronteiras dos campos da paz celestial
não ando.
nada submerso no mar egeu.
sossobro estabanado no mar da tranquilidade
ferido em batalha adentro o valhalla
e desfruto o hidromel das walkyrias
queres? querias.


parece que me transmutei em alguém
esses cabelos não são meus
esse tom de pele, eu desconheço em mim
algo acontece e você não sabe o que é, mr. jones


eu sou o subtítulo de uma obra inacabada
sou o sol de uma sinfonia atonal
passei por um buraco no céu:
a loucura é um sopro no ouvido.

(chacal)


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NÚMERO DA PAIXÃO


na corda bamba
quero ser teu contrapeso
no número das facas
assoviar nos teus ouvidos
no globo da morte
quero ser teu co-piloto
no vai e vem do trapézio
quero ser quem te segura


quero te acompanhar pelas ruas do rio
sorrindo ou chorando
quero me molhar todinho só pra te deixar
sequinha nesse temporal
quero te abraçar apaixonado
sentir teu coração pulsar
quero te beijar do oiapoque ao chuí, bem ti vi


porque eu sei que teus cabelos
são tempestades que me alucinam
que despencarei cada vez que subir nos teus andaimes
que me esfaquearei transtornado
com tuas sutis insinuações sobre o tempo
que me transmutarei em nêspera
cada vez que me disseres:
- hasta luego, luz del fuego
que vagarei sem esperanças não mais fizeres parte
das cenas dos meus próximos capítulos
que capitularei enfim, com a cabeça espatifada
nos escombros do meu próprio coração

(chacal)

de BOCA ROXA


VIDA DE ARTISTA
sempre deixei as barbas de molho
porque barbeiro nenhum me ensinou
como manejar o fio da navalha


sempre tive a pulga atrás da orelha
porque nenhum otorrino me disse
como se fala aos ouvidos das pessoas


sou um cara grilado
um péssimo marido
nove anos de poesia
me renderam apenas
um circo de pulgas
e as barbas mais límpidas da Turquia

(chacal)

A ESCOLA SE REMOÇA

a cúpula dos engenhos se curva ante à máquina.
eles sentam em cima dos colarinhos
e ouvem um estranho ruído
da caixa de olhos vermelhos.
o computador fala uma língua que há muito,
por vaidade, eles desaprenderam.

(chacal)


de NARIZ ANIZ


FOGO FÁTUO

ela é uma mina versátil
o seu mal é ser muito volúvel
apesar do seu jeito volátil
nosso caso anda meio insolúvel


se ela veste seu manto diáfano
sai de noite e só volta de dia
eu escuto os cantores de ébano
e espero ela chegar da orgia


ela pensa que eu sou fogo fátuo
que me esquenta em banho maria
se eu explodo sou pior que o átomo
ainda afogo essa nega na pia

(chacal)

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O BILGODO


derrepepente decresceu de dentro
de mim um bigode um bogode um bobode.
veio acompanhado de uma doce barba.
depois de um breve enlace se desentenderam
e como o bagode é homem ficou sizinho.


mas quando lembro do bilgodo
que me enferruja as fuças
que me empentelha as ventas
que me empapuça a boca
mas que enobrece a vida
que surrealiza a cara


que me lembro desse decantado tubérculo
assôo o nariz

(chacal)

                                                        


de OLHOS VERMELHOS




BABEL PAPEL


e línguas como que babel
se rebelaram
e saíram de um bilhão de bocas
que ocas sorriam nuas fluas
e depois um bolão de línguas
se borracharam
e bocas como que papel

(chacal)

MELECAS

melecas, as tenho em várias cores e feitios.
mas não estão à venda. durmo com elas.
às vezes tiro uma e como.
quando tem gente olhando,
enrolo e jogo fora
pra não ganhar fama de porco.

(chacal)

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de QUAMPÉRIOS




CHATO E PIOLHO


o chato é das classes baixas.
só vive pelo grosso.
só vive pelo fino,
o piolho das altas classes,
intelectual frio racional
chama o outro de chato
pra não chocar,
já que ganas tinha de o chamar
sacana safado escroto.


o chato, sem se importar,
continua a coçar,
sábio às escuras,
sabendo que o outro
que atua às claras,
choca muito mais seus donos
nos jantares aristocráticos.


quampérium,
que os possui e cultiva,
gargalha com a luta de classes.
ele sabe que os três,
ele, piolho e chatos, são iguais:
animais marginais.

(chacal)
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JABU


jabuticaba jabuti jaburu jabuco
que é a corruptela de joaquim nabuco
tudo jabuca todos jabam ou jabotam
ainda mais quando estão com vontade
de jabutir ou jaburar
quampérius jogava com jadir na zaga
do jabaquara já vai jaca
zagarreava jabaculejava zarababava
no jaleco do avante vavá
e como era javali talvez jamantão
não dava colher pra nenhum vadio
nenhum valente nenhum valete
nem vascaíno quampa era jabu
jamaicano jamais violento
e sempre jabu porque uma vez jabu
sempre jabu jabu jaburu jaboatão
lalando samba canção......
(chacal)
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de AMÉRICA


DESABUTINO


quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de pena e letras lentas
que passa sábado a noite embriagado
chorando que nem criança a solidão


quem quer saber de namoro na idade do pó
um romance romântico de cuba
cheio de dúvidas e desvarios
tal a balada de neil sedaka


quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira na beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido sem ficha nem ninguém para ligar
num dos 527 orelhões dessa cidade vazia

(chacal)
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MEIO FIO


tem um fio de queijo
entre eu e o misto quente
recém mordido


tem um fio de goma
entre o chiclete e eu
recém mascado

tem um fio de vida
entre eu e teu corpo
recém amado


tem um fio de carne
entre teu corpo e teu filho
recém nascido


tem um fio de saudade
entre eu e você
recém passado


tem um fio de sangue
entre a razão e eu
recém partido


tem um fio de luz
entre eu e mim
recem chegado

(chacal)
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de PREÇO DA PASSAGEM:



quanto mais louco
lúcido estou
no fundo do poço
que me banho
tem uma claridade
que me namora
toda vez que
eu vou ao fundo


me confundo quando bóio
me confundo quando nado
me convenço quando afundo


no fim do fundo
eu te amo


DELÍRIO PURO

(chacal)

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HÓSPEDE DO PLANETA


orlando viajou de balão.
atravessou vales, rios e mares. depois desceu.
subiu numa pedra e disse publicamente:
- de hoje em diante soy hóspede do planeta.
por enquanto.


e mandou seu novo endereço à freguesia.

(chacal)
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de MUITO PRAZER, RICARDO




RÁPIDO E RASTEIRO


vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.


aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida.

(chacal)
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AI DE MIM, AIPIM


- ai de mim, aipim!
- ô inhame, a batata é uma puta barata. deixa ela
pro nabo nababo que baba de bobo. transa uma com a cebola.
- aquele hálito? que hábito? me faz chorar.
- então procura uma cenoura.
- coradinha, mas muito enrustida.
- a abóbora tá aí mesmo.
- como eu gosto de abóbora.
- então namora uma.
- falô. vou pegar meu gorrinho e sair por aí
pra procurar uma abóbora maneira. té mais, aipim.
- té mais, inhame.


(chacal)






(chacal)